Há uma nova geração que nasceu em liberdade, e nascidos em liberdade olhamos para todos aqueles que lutaram por ela. Para nos Abril foi o início do ciclo da liberdade, mas Abril foi também Novembro, em 25 de Novembro o ciclo completou-se libertando-nos de um projecto comunista de sentido contrario. E a memória não esquece Sá Carneiro, Amaro da Costa, Mário Soares e Ramalho Eanes como verdadeiros intérpretes do significado da liberdade que hoje comemoramos.
Contudo o objectivo não está concluído, não se esgotou, este é o tempo de uma sociedade dinâmica, dotada de uma grande versatilidade, que trava uma guerra silenciosa que ganha com a não participação, com o desinteresse pela política, com a passividade de todos.
Não podemos vergar perante a pressão da comunicação social, não podemos ceder aos mediatismos, pois a política não é feita pela opinião pública, não pode ser atribuída maior ou menor importância consoante o share de uma estação televisiva, o título de um jornal.
Hoje, ao contrario do que sucedida antes de 74, a informação não é passada a lápis azul, mas temos outro tipo de censura, a da agenda da comunicação social, a agenda do maior número de exemplares tirados, das audiências. O dilema não é a ausência de informação, mas a filtragem de informação. Não existe tal coisa como o magister dixit, próprio de uma filosofia fechada, que não aceitava visões diferentes, que hoje infelizmente ainda vigora, pois uma leitura atenta anula a ideia que tudo que é escrito e publicado constitui um facto inquestionável.
Hoje temos de uma forma mais acentuada, o fenómeno dos opinion makers, não lhes retirando o seu valor, proponho que cada um faça uma análise individual dos factos, que não se deixe convencer por argumentos fáceis, por dons de oratória, por mediatismos, que não aceite falsos moralismos.
Não podemos ceder à tentação dos julgamentos em praça pública, não podemos fazer juízos sumários, pois é inexplicável que um dado julgamento com milhares de páginas, dados, consiga ser analisado em dois minutos de um bloco noticiário, de uma coluna de um jornal, relembro, que existe o principio da presunção da inocência até prova em contrário, não caiamos no erro de incriminar moralmente tendo como argumento uma frase descontextualizada, uma imagem insinuadora. Não retiro a importância da comunicação social, não esqueço a sua importante função fiscalizadora e informativa, mas a comunicação social não pode chamar a si a função legislativa, nem judicial.
Passados 33 anos, é necessário ver para além do que foi conquistado, do passado, é imperativo olhar para o futuro. A democracia nunca estará completa, se os seus cidadãos se esquecerem dela, pois a actual Constituição atribui-nos direitos, mas igualmente deveres, em que a liberdade é também responsabilidade. Portugal não é um conceito abstracto, não é da parte da responsabilidade alheia, Portugal é fundamentalmente o seu povo, tendo o povo a competência e o dever de assegurar os valores democráticos, através da eleição dos seus órgãos, dos referendos, da participação activa.
É necessário questionar o actual afastamento dos cidadãos da política, é urgente inverter o afastamento da juventude da política. Mais que atribuir a culpa aos que foram eleitos, a culpa é de todos nós, no actual sistema a cisão entre a política e o cidadão constitui uma grave patologia para a democracia. Os partidos políticos têm neste ponto uma responsabilidade acrescida, pois é por meio destes, exceptuando a eleição para a Presidência da Republica, que os eleitores confiam o seu voto.
Não esqueçamos porque Portugal entrou num regime fascista, não esqueçamos da instabilidade política da I Republica com os governos de curta duração que caiam facilmente por um constante desentendimento no parlamento, que consequentemente retirava eficácia a este órgão, dos efeitos da I Grande Guerra, dos problemas socio-económicos que foram gerados.
Salazar, a figura central do Estado novo, que proferiu “Sei muito bem o que quero e para onde vou”, no discurso na tomada de posse como ministro das Finanças, em 1926, conseguiu o “milagre” de equilibrar as contas públicas. Contudo, o nacionalismo “deus, pátria e família”, fizeram com que se acreditasse num regime unitário pautado pelo rigor, devido à instabilidade política e económica que os portugueses atravessavam e ansiavam a saída desta.
Mas, se por um lado estamos no período histórico mais pacífico no continente Europeu, os problemas socio-económicos não desapareceram, as contas públicas continuam a bloquear-nos, a estabilidade politica embora ainda assegurada, tem hoje o precedente da dissolução da Assembleia da Republica por parte do Presidente da Republica, e o acontecimento na vizinha Espanha, em Marbella, quando o governo espanhol decidiu proceder à dissolução da Câmara de Marbella, devido a casos de corrupção.
Pertenço à geração que sempre conheceu a liberdade como dado adquirido, mas com a responsabilidade de a manter como sendo um dos bens mais valiosos à democracia. Não sabemos o que é viver sem ser em democracia, sem liberdade. É por essa Liberdade que devemos, cada um, assumir a responsabilidade de cada um fazer um Portugal melhor.
Mas também não esquecemos todos aqueles que ainda lutam por ela. Não esquecemos ditadores como Fidel Castro ou Hugo Chavez que limitam outros jovens de viverem em liberdade, e por eles devemos dizer Basta!
É necessário relembrar que tanto as ditaduras de direita como de esquerda, constituem um ataque inquestionável aos valores democráticos, pois embora numa leitura superficial e errada, constituírem modelos e valores diferentes, ambas tem como pontos de conexão, a anulação do individuo pelo Estado, a restrição da liberdade de pensamento, a negação de um espaço plural, a intolerância por ideias diferentes, que constituem todas elas ideias contrárias à Democracia, à Liberdade.
O “Muro da vergonha” e a “cortina de ferro” caíram, mas também caiu a mascara de uma utopia, que quiseram para Portugal, que defendia uma falsa igualdade de direitos. Não lembremos só os campos de concentração nazis, mas também os Gulags que vitimaram milhões de pessoas opositoras ao regime de Stalin. Não falemos só dos que foram presos ou tiveram que pedir exílio no Estado Novo, mas também aqueles que no “verão quente” viram a sua liberdade ser retirada.
O 25 de Abril, ainda hoje é considerado por alguns, como propriedade privada, como uma propriedade de esquerda, resultado de uma visão parcelar e parcial da Historia. É necessário que se faça uma leitura integral e imparcial. A História não pode ser apagada ao sabor de conveniências ideológicas e partidárias, não pode ser proclamada só por alguns, pois todos legitimamente fizeram parte dela.
Não esqueçamos o 11 de Setembro, pois hoje o terrorismo é uma ameaça real aos valores da sociedade ocidental, fomentada por grupos que tem como objectivo atacar a Liberdade pela forma mais eficaz, pelo medo. Hoje o terrorismo não é exercido por um estado específico, por um rosto, por um grupo específico, mas todos convergem no fanatismo religioso, onde existe uma clara intolerância aos valores ocidentais. Não tenhamos memória curta, pois não podemos compactuar com ataques à liberdade de expressão, como no caso dos cartoons de Maomé e a resposta do mundo islâmico.
Não podemos ficar calados, vendo civis a serem mortos, assistindo a violações do Direitos Humanos, em que sentimento de amor à Humanidade, não pode ser egoísta, pois a nossa tão amada Liberdade fica comprometida, quando compactuamos com o silêncio.
Hoje somos também membros da União Europeia, um dos marcos do pós 25 de Abril, em que celebramos também os 50 anos do tratado de Roma. Portugal já não pode ser pensado fora do contexto europeu, pois um Estado não existe sem soberania, mas contudo sem cooperação entre outros, ficaria fechado, para trás.
Hoje falar em crescimento económico, sem falar em cooperação é uma utopia. Portugal hoje não compete só internamente, estamos num mundo global, que potencia a economia, persistir no erro de olhar para Portugal como pais isolado da realidade europeia é negligenciar o potencial empreendedor dos portugueses. Um dos triunfos do pós 25 de Abril, foi o acabar com os corporativismos e os monopólios do Estado. Contudo não esqueçamos as nacionalizações feitas na altura do PREC e como estas seria contra toda a lógica da economia de mercado, como foi feito pelos Decreto-Lei N.º 132-A/75, de 14 de Março (nacionalização da banca) e, Decreto-Lei N.° 135-A/75 de 15 de Março. (nacionalização das companhias de seguros). Não podemos continuar a pensar no modelo das vantagens absolutas, mas no das vantagens comparativas, Espanha deve ser pensada como parceiros e não adversários. Não podemos permitir que o lema "Orgulhosamente sós" faça parte do nosso futuro.
O 25 de Abril foi também a conquista do poder local, é neste âmbito que relembro a todos os fregueses, que são e serão sempre bem-vindos à Assembleia de Freguesia, pois este órgão é de e para os fregueses. Uma melhor democracia só é possível através da presença e participação de todos. Contudo aqueles que são eleitos, tem em si uma maior responsabilidade, a prossecução dos interesses colectivos dos que representam, dignificando o poder local, respeitando as instituições, dando soluções aos problemas daqueles que representam.
O 25 de Abril não deverá ser apenas uma data simbólica, mas o espírito presente no povo todos os dias, pois a democracia exerce-se todos os dias, nos seus órgãos, tem de todos os dias ser assegurada, respeitada, dignificada, esse e o nosso desafio, essa é a nossa missão.
Discurso para a sessão solene dos 33 anos do 25 de Abril,
Junta de Freguesia de Santa Marinha, Vila Nova de Gaia